1. |
Patologia Sistêmica
03:32
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Chegou o dia em que travou. Sua mente embaralhava e seu corpo não se movia. Estava com tudo arrumado e de acordo com as normas, de banho tomado, nos conformes para repetir mais um dia de trabalho... exceto sua vontade. A repetição da reprodução de um trabalho precarizado, da venda à um valor patético do seu único bem, do seu bem maior, o tempo, fazia que antevisse o fracasso. Era ainda mais desvalorizado com mensuração de produtividade, por uma eficiência em satisfazer com mentiras os danos que aquela mesma célula produzia propositalmente. Conversão. Como odiava essa palavra.
Sentia-se uma peça com defeito... não havia satisfação alguma ao receber o prêmio por ter tolerado aquelas horas diárias de tortura. Pagar contas, consumir, ostentar o mínimo do mínimo de entretenimento que a bonificação por metas (à duras penas) atingidas (quando atingidas) trazia, não gerava felicidade alguma. E se a bonificação não vinha, deixava de ser sujeito. Recebia olhares de reprovação, sentia-se um estorvo. “Você não pensa na equipe”, mas a equipe não enxergava a sua existência. “Você não pensa em dar o melhor para sua família?”. Tentava por eles, não por si. Eventualmente falhava e as dimensões mercadológicas subjetivas das relações, mais uma vez anulavam o seu ser.
1- Patologia Sistêmica
Fadados a ser submetidos a viver uma vida não viva. Vida que vaza e coisifica - enumera e produz patologias, mal estar. Toma os corpos ao mercado, destinando a viver acelerados, engolidos, dilacerados.
Consumidores de acontecimentos, presos no pesadelo da repetição.
Anomalias, alterações estruturais devem ser sanadas com pílulas para ligar e desligar: desconectar da realidade pra trabalhar, para o outro ganhar.
Gerar:
Mais
Mais
Mais
(SEMPRE)
Mais
Mais
Lucro
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2. |
Produtos do Medo
01:58
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Após engolir as pílulas receitadas para que “voltasse a ter força de vontade”, que pudesse repetir suas obrigações diárias, refugiava-se, entretia-se com a realidade virtual, de vidas que só existiam aí: dentro da web. Pensava sobre a plasticidade que aquela felicidade alheia exibia. Talvez elas fossem reais, apesar de bizarras... Mas quase acreditava que poderia invejá-las. Seria tão mais fácil estar dentro do padrão. Tinha medo do julgamento, quase não se expunha pois temia o olhar o outro. Não tinha o aparelho X, o corpo Y, o reconhecimento, não sabia o que era vencer aos moldes pré-estabelecidos. Fazia um esforço comovente pela ignorância e a anestesia, mesmo com todo o medo de sentir.
E as pessoas... com ou sem a tecnologia, sempre foram cruéis. Essa crueldade tinha deixado chagas que nunca cicatrizaram, mas pararam de arder. As necessidades básicas (que deveriam ser garantidas) privadas, a indiferença alheia, a culpabilização (“se tivesse se esforçado, tinha conseguido”, ouviu a vida toda), a competitividade... eram tantas e em diferentes formas de materialização, que a única lição que aprendeu desde a infância era que o que queria não importava... precisava vencer na vida. Não venceu. Só reagia, para evitar os maiores medos. Seus demônios que voltavam para assombar em noites em que a insônia assolava.
2- Produtos do medo
Hiperconectividade (e)
Novas formas de consumo
(um) mundo que cria inseguranças
as tem como alimento ao povo
Capitalismo cria medos
Publicidade vende a "solução"
Receitas pra felicidade obrigatória
Aos moldes do mundo do desempenho
Uma
Distopia
Liberal
Real
O mal estar quer nos dizer
que algo está muito errado
É preciso se mover, escapar
de ser acorrentado ao
desejo do Outro,
que não é a nossa escolha.
Em condições reguladoras,
de gestão da auto opressão,
Condições insuportáveis, em uma versão de
Escravidão contemporânea,
(Que) nos reduz e a chaga é a depressão
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3. |
Fracasso
01:47
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Tentou durante mais alguns meses. Eram espasmos de movimento... mas eram espasmos tão rápidos, que parecia que estava caminhando. Na realidade estava em paralisia... Nunca tinha saído daquela porta, quando seu corpo disse não. A vida era desconectada com a realidade, os contatos não estabeleciam contatos, os toques, não comoviam, não tocavam. Eram gélidos, como a indiferença que o individualismo de cada um transmitia.
Pediu afastamento pelo órgão que o senso comum dizia que não deveria existir e aqueles que estavam no poder (de forma ilegítima), comissionavam médicos para indeferir pedidos. Não conseguiu. Insistiu. Todos ao redor já julgavam, era um absurdo perder o controle...
A máquina fazia miseráveis, produzindo e reproduzindo a pobreza e o vazio.
3- Fracasso
Tudo parece ter sido em vão
Esqueço o mundo, ignoro a razão
Era pra ser, não foi
Sensação de vazio corrói.
Não Mudará
Não Mudará
Não Mudará
Não Mudará
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4. |
Caminhos de Ferro
01:57
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Quando você já não tem nada, nada mais importa. Conseguiu afastar-se do ambiente que lhe era tóxico. Teria pouco tempo para passar pela manutenção, consertar-se para voltar a fazer parte da máquina. Mas sentia um certo alívio em não ser uma engrenagem.
4- Caminhos de ferro
Não pertencer ao que só existe
Dentro dessa máquina
que dirige, define...
Acelera a urgência
em viver a vida
de desejos impostos:
- Percursos definidos
- Metas à alcançar
< Automatização do sentir >
Anseio sair dos trilhos
Tentar parar
Cedo, perco os sentidos
Como recuar?
Na trilha pré definida (para) nenhum lugar
Não
me levarão
à
pontes.
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5. |
Hostil
01:57
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O tempo passou e se esgotou. Era voltar para a máquina ou ser descartado. Se viu obrigado a sair. Se colocaria fora do tempo dos outros, da velocidade da máquina e todas as suas autoridades. Desistia de enquadrar-se, desistia de si mesmo. Se já não era sujeito, se já estava invisibilizado por não ser produtivo, se recusou a seguir nesses trilhos de automatização.
5- Hostil
Quando
Relações são superficiais
Escolho sentir
Se nos querem viciados
Mantenho a lucidez
A felicidade vem da ignorância
Escolho a desilusão
Quando a vida vem de coisas palpáveis
Escolho estar morto
Morto
Fiel a mim mesmo
Morto, sendo honesto
Já mentimos, traímos demais
Roubamos a nossos próprios irmãos
Que talvez, tenham feito o mesmo
Nos deixamos levar
Por uma onda
Em uma zona cômoda
Na qual estivemos sedados
Para não percebermos
O que estávamos fazendo
Escolho estar morto
Morrer e não apodrecer
De cabeça erguida
Morrer e não apodrecer
E sentindo eu vou morrer.
Quando a presença
Se resume a existir
Não quero apenas
Sobreviver
A vida (Inimigo)
É mais (Contrário)
Que o (Ofensivo)
Coração Batendo (Hostil).
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6. |
Desmascarar as Mentiras
03:31
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Antes de partir, resolveu caminhar. Queria se despedir das coisas que amava... A música foi sua melhor amiga por toda uma vida. Nesse caminhar, deparou-se com um pequeno grupo... eles distribuíam um jornal, que se tratava de um sulfite com denúncias em fotocópias. Passou os olhos sem ler, mas fixou na afirmação: “Outro caminho é possível”. Seus olhos transbordaram esperança, quase como os primeiros pingos de chuva em uma estação seca e árida.
6- Desmascarar as mentiras
"Esperança e sentido: sonhos
Aceitar e acatar: metas
O convívio coletivo é perda
Sozinho e com o seu esforço, ganhar"
Naturalizam violências
Imobilizam resistências
A burguesia prega
o individual
pois sabe da força
do coletivo
Que a levaria à ruína
Desmascarando as mentiras
Que fragilizam a consciência
Com a exploração do medo
Herança colonial escravocrata
De uma elite parasita
Estruturas imóveis rachadas
Podem ruir
Esquecer é dar controle
(Não iremos esquecer)
Outro caminho é possível
É preciso nos reconectar
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7. |
Prefácio
02:23
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“O inconsciente é política”, eles explicaram. E, continuaram: “Sua parte que ainda estava viva é que te causa o mal-estar... O mal-estar te salvou de viver uma vida no modo-avião, na qual os cidadãos de bem são cegos e surdos e com o discernimento gravemente afetado. Como ser indiferente em um mundo tão cruel, em que tanta gente sofre? Como subir vidros em semáforos, com medo da violência, onde a gente vê pessoas execradas pelo capitalismo? A herança colonial que perpetua o racismo estrutural. A rotina da exploração, que é uma violência naturalizada, esmagou o que a gente é, e coloca a solidariedade como sinônimo de caridade. Não é! Solidariedade é entender o outro como um companheiro, como um igual e lutar para que ele, para que nós tenhamos uma vida digna. Nos tornamos tecnicamente capazes de fazer coisas que não somos capazes de imaginar. Sonhar? Os tempos são difíceis, mas ainda é possível. E nesse momento é o mal-estar que nos acusa o que resta de humano em nosso corpo. Se livre das receitas prontas de felicidade contidas em guias e livros de autoajuda. Nós somos AntiAutoAjuda. Estar doente de verdade, é estar feliz em sua bolha, com seus privilégios, frente à um mundo miserável. Sentir-se mal, é sinal de excelente saúde mental!”
7- Prefácio
O liberalismo
vende a ideia
do individualismo
em que a livre-iniciativa
e o mercado
regulariam
os desajustes sociais
e econômicos
trazendo ordem e paz
No consumo, a felicidade
Na acumulação, o bem-estar
Mas só gerou concentração de riqueza
da burguesia e aumento da pobreza
Nos anulou frente ao capital
Paralisados e adoecidos
Se o sistema desampara
Temos que buscar amparo e esperança
em algum lugar
E dessa combinação
Rebeldia mobilizar
Voltar a ouvir, voltar a enxergar
Reconhecer os desejos, a totalidade
E o "ser" perdido reencontrar
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8. |
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Aprendeu sobre a história, pois um povo que não conhece seu passado está fadado à repeti-lo, andar no escuro. Aos poucos, entendeu a realidade... analisar a conjuntura atual era tão importante quanto. Apaixonou-se pela causa como se apaixona por uma pessoa.
8- Há tempo para os sonhadores
Deixar apenas de reagir
Estávamos limitados à isso.
Temos que nos mover com consistência
Pensar em estratégias e propósitos
Passar a entender a nossa importância
Na composição de uma resistência
Que ousa propor que outro caminho é possível
Ousar sonhar
Ousar agir
Ousar falar
Ousar seguir
As contradições existem e é preciso caminhar com elas e enfrentar as complexidades para se mover e mudar a realidade coletiva.
Deixar apenas de reagir
Estávamos limitados à isso.
Temos que nos mover com consistência
Pensar em estratégias e propósitos
Para superar.
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9. |
A Luta Como Cura
03:01
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E, então, reencontrou a força do seu desejo no próprio ambiente coletivo: a luta era a sua cura. Os seus semelhantes, que outrora humilhados, diminuídos, que estavam sozinhos e sofriam sozinhos, encontraram uma comunidade, um propósito comum. Os traumas da violência estrutural eventualmente pareciam tomar força novamente, mas no convívio social, resgataram o sentimento comunitário: poderiam contar uns com os outros.
Ter descoberto que não estava só que poderia ser ajudado, mas principalmente, que poderia ajudar outras pessoas a lutar, trazia um sentimento de existir novamente (antes só resistia). A solidariedade se tornou uma via de mão dupla, onde antes só existia um trilho único. Resgatou seu sentimento de potência, se fez ouvir, ver, dizer... era alguém para aqueles muitos alguéns, que também representavam algo forte para si. Com a clareza das dificuldades, “A luta continua, companheiros”, era a frase que mais enchia seu coração.
9- A Luta como cura
A
cura
está
na luta
Guiando o próprio caminho
Junto aos companheiros
que também escolheram os trajetos
que levam a uma
vida mais digna.
As cicatrizes
já não trazem a dor
Mas lembram o passado
de consciência sofrida
com uma vida danificada,
em uma situação precarizada.
Juntos, aprendemos a lutar
Juntos, temos a força para suportar
as derrotas e avançar na ofensiva
pelos direitos básicos
e um outro mundo imaginar.
A
cura
está
na luta
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Manger Cadavre? São José Dos Campos, Brazil
Nata Nachthexen- Vocal
Paulo Alexandre - Guitarra
Marcelo Kruszynski - Bateria
Bruno Henrique - Baixo
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